Capítulo 7
O confronto final
Moisés conseguiu o apoio de Ari que fez questão de dirigir o caminhão no transporte de Bodinho para a igreja. Lá ele foi limpo por Verônica e Sueli, recebendo cuidados das famílias que estavam abrigadas sobre a proteção do pastor. Olegário teve que gastar muita saliva para convencer o ex-chefe do tráfico na Mata Sete a se tratar em um hospital. “Amigo, você está perdendo muito sangue e precisa ser medicado com urgência por profissionais gabaritados. Se continuar assim, temo por sua vida. Procure entender: você tem que ser tratado por médicos capacitados. Não temos como saber os danos que esse tiro possa ter causado no seu corpo”.
− De jeito nenhum, pastor! Quando a noite cair, Moloque estará de volta, e quando descobrir que ainda estou na favela, vai mandar queimarem tudo! O cara é louco. Eu preciso estar aqui para dar combate a este demônio. Tenho uma dívida enorme com a população deste lugar. Por não conhecer a verdade divina fiz muita coisa errada, e agora chegou o momento para reparar as malfeitorias. Devo o meu despertar ao senhor, que me conduziu para o bom caminho e me fez largar o crime. ‘Me apresentou a Deus e a mim mesmo’ (sic). Para amenizar o meu sofrimento, conto com as suas orações e o perdão dos moradores da comunidade. A fé de todos me dará forças para o encontro decisivo com Moloque. Preciso acabar com ele, não para me vingar, e muito menos para continuar no comando do tráfico, mas sim para me purificar. Ele quer acabar com essa igreja e dominar toda a favela. Não posso deixar o cara sair vitorioso! Eu sei lutar contra o mal, pois já estive do lado de lá. Talvez Deus me ajude nesse embate. Você profetizou que eu estaria na rua antes de 5 anos e que o Senhor tinha um propósito em minha vida. Eu tenho certeza que a minha missão é vencer Moloque e não deixar esse Diabo destruir a fé que essa gente deposita no Todo Poderoso. Sou um instrumento do Senhor e aprendi isso na prisão, quando me converti para a sua igreja. Ao fugir da cadeia, não gerei desconfianças nos meus colegas de tranca. Sai para evitar que Moloque tomasse a Mata Sete e destruísse a sua obra pastor. Tenho a certeza de que se o senhor e seus fiéis orarem por mim enquanto durmo, acordarei bem disposto e preparado para enfrentar o Capeta e os seus demônios. Dentro de aproximadamente 8 horas vai escurecer, e sei do poder da fé. Orem por mim que estarei pronto e com vigor para o embate final. Aprendi com o senhor pastor: “o sonho pelo qual eu luto exige que eu invente em mim a coragem de lutar, ao lado da coragem de amar” (essa frase Olegário retirou do livro de Paulo Freire, um dos maiores educadores de nosso país, nascido no Recife, Pernambuco). Vocês e minha amada Sueli me dão forças para essa refrega. Dito isto, tascou um longo beijo na amada. Nesse exato momento Santelmo olhava para o teto...
Ninguém conseguiu demover a ideia de Bodinho. O ex-detento acabou dormindo, ao lado de Sueli, e os irmãos, reunidos, foram para a igreja fazer uma vigília em intento do vingador solitário. Santelmo e o pastor estavam convencidos de que só as forças das orações poderiam salvar o pobre detento. Perceberam que o ex-traficante tinha se tornado um homem de fé e que apenas isso é que poderia dar chance de sucesso a empreitada que planejava levar adiante. Passaram a tarde inteira orando, pedindo forças e proteção para o ferido que dormia um sono profundo e reparador no anexo da casa de orações.
“Irmãos, nós vamos conseguir restabelecer o vigor de Bodinho. Ele agora é um cristão, um servo do Senhor. Deus está no comando e para Ele nada é impossível. Acabo de vir de casa e constatei que o sangramento diminuiu muito. Isso é um bom sinal!” Enquanto o pastor proferia essas palavras, os fiéis que estavam reunidos na igreja aumentaram o volume das orações. Pairava no ar uma aura de positividade. Os membros da Igreja da Reconstrução de Vidas para Deus tinham a certeza que o vingador solitário iria dar conta do recado. O pensamento de Neylor Tonin era a tônica do momento: “amparar a quem sofre e lutar por uma sociedade mais justa é ideal suficiente para enobrecer uma vida.” Todos ali torciam por Bodinho.
Passava das 19 horas quando Bodinho acordou. Foi servida uma suculenta canja de galinha, preparada por uma das senhoras que estava residindo no anexo da igreja com sua família, uma vez que a sua casa havia sido incendiada pelo bando de Moloque. Após a janta o vingador solitário sentia-se bem disposto e com muita motivação para por o seu plano em ação. O ferimento parou de sangrar e a ferida parecia cicatrizada. Um verdadeiro milagre. Um irmão enfermeiro havia sido requisitado pelo pastor para avaliar o quadro do ex-detento. Foi confirmado que o ferimento estava em pleno processo de recuperação. O profissional da área de Saúde ministrou um antibiótico para evitar complicações. Alimentado e medicado pegou o seu fuzil, fez uma limpeza na arma, colocou munição nos seus mais de dez carregadores e partiu no negrume da noite, após agradecer emocionado a todos e tascar um beijo de despedida na querida companheira da longa caminhada na marginalidade.
Antes de sair porta fora, dirigiu-se ao pastor e falou: “sinto-me forte o bastante para poder enfrentar Moloque. Esta será uma noite decisiva. Ele virá com toda a sua fúria, imaginando que estou moribundo, fora de combate... Mas vai ter uma grande e desagradável surpresa...” Olegário, embora sentisse vontade de dizer que não era o momento apropriado para o confronto, ficou contente em ver a surpreendente recuperação de Bodinho. O cara parecia que não tinha sofrido um arrahão na noite anterior. Disposição era o que não faltava aquele homem. “Pastor, a mão de Deus estará do nosso lado. Não quero fazer mal a ninguém, mas não posso deixar que pessoas como Moloque façam com que o mal prevaleça sobre o bem.”
− Nós vamos continuar orando pela sua saúde e para que Deus te ilumine e proteja nessa peleja contra o Demônio. Você não estará só. Pedirei ao Senhor que te acompanhe nessa jornada e que as tuas ações sejam reparadoras, afinal você está trilhando o bom caminho, mesmo que por vielas tortuosas. Pondere suas ações, pois como disse o grande cristão Paulo de Araújo: ‘quando agimos sob pressão, somos capazes de injustiças; de sofrê-las e de praticá-las’. A sua vitória será a vitória de toda essa comunidade. Moloque quer por que quer abalar a fé dessas pessoas. Você estará em um embate contra Satanás. Seu sucesso na empreitada será comemorado por todos como o poder da Glória de Deus contra as forças do maligno. Vá com Deus, meu filho!
− Pastor! Muitos criminosos queriam me ajudar a lutar contra Moloque, mas a intenção deles era dominar o pedaço e passar a explorar o tráfico na região. Eu teria uma grande porcentagem nessa história e nada mudaria na Mata Sete. Não é esse o meu desejo. Prefiro derrotar esse cão imundo sozinho e livrar a favela, de uma vez por todas, das mazelas terríveis das drogas.
Dito isto, Bodinho partiu para o labirinto de becos e vielas, sumindo na escuridão da noite. O pastor pediu para que Moisés chamasse o maior número possível de fiéis para se reunirem na igreja. A mesma missão foi dada a Santelmo. A casa de orações era o local mais seguro naquele momento na Mata Sete. Passadas aproximadamente duas horas da partida do vingador solitário, a casa do Senhor estava quase cheia e o assistente de Olegário iniciou o culto.
− Irmãos, a violência é o combustível para o mal. Não gostamos de ver homens se matando pelo predomínio de suas ideias. Alguns se desviam do caminho de Deus não porque querem, mas pela influência maligna de Satanás. Quando Deus precisa intervir nessas situações, envia seus anjos ou fiéis seguidores das escrituras sagradas para lutarem contra as forças trevosas, no intuito de derrotar o Demônio e os seus adeptos. Vamos orar com muita fé, para que o Senhor ilumine a mente dos homens que estão lá fora travando uma batalha de vida ou morte. Vamos orar para que eles cheguem à conclusão que Deus é o nosso único e soberano Senhor. Ficaremos em oração aguardando o desfecho dessa contenda e que ela ponha um ponto final nessa guerra pelo tráfico em nossa comunidade. Nossa arma nessa peleja é a fé no Senhor, nosso Deus. ‘Na verdade, eu vos digo: se alguém guardar minha palavra, jamais verá a morte’. Jo 8,51. Que a vitória seja dele! Aleluia! Glória a Deus! Hosana nas alturas! - Ih! Isso é coisa de católico -. Santelmo escorregou, mas a plateia aplaudiu.
Os tiros eram ouvidos à distância. Vez por outra, uma explosão de granada. Próximo à refrega, nuvens de poeira e um forte cheiro de enxofre tomavam conta do lugar. Os moradores que não foram para a igreja permaneciam trancados em suas casas, apavorados com toda aquela violência. Moloque gritava descontrolado e ameaçava a todos: “quem der guarida a esse desgraçado do Bodinho vai sangrar na ponta do meu punhal e depois assar no microondas... Ah, se vai!”. Sueli orava com fervor, acompanhada por Marta e Verônica. A três pediam proteção para os seus homens. Sueli estava dividida. Pedia pelos seus dois amores...
A tropa do traficante estava com o moral baixo, pois havia perdido muitos companheiros nas batalhas anteriores. Chegou ao ponto de um deles questionar uma ordem de ataque em campo aberto. O cara foi fuzilado por Moloque na hora. Em seguida, esbravejou que suas ordens deveriam ser cumpridas à risca, caso contrário o desafiante teria o mesmo destino do insurgente.
O tiroteio continuou feroz por um bom par de horas até que Moloque ficou cercado em uma casa sem nenhum segurança. Estavam todos mortos. Gritou para o restante vir ao seu encontro. Os que tentaram cumprir a ordem foram fuzilados por Bodinho. Os poucos sobreviventes ralaram peito. Pernas para que te quero! Sumiram como num passe de mágica. O chefão estava só. Fora abandonado na Mata Sete. Agora era um contra um. A partida estava igualada. A voz de Bodinho se fez ouvir: “eu te disse que você acabaria sem ninguém! Perdeu! Vá embora da favela e deixe as famílias em paz”.
“Não, Bodinho! Vou matar você. Meu protetor me garantiu que serei vitorioso. Vou te mostrar quem é mais forte nesse lugar dos diabos...” O poderoso fuzil AK-47 de Moloque cuspiu balas traçantes na direção do vingador solitário, que revidou com a mesma intensidade com o seu M-16. Enquanto isso, cada vez mais chegava gente desesperada procurando abrigo na igreja. Cada um que pisava na casa de orações acrescentava um pontinho na história da batalha que estava sendo travada no interior da favela. Todos oravam com fervor e pediam luz e proteção para o defensor da paz na Mata Sete. Sueli pedia proteção para o seu antigo companheiro. Santelmo orava em prol do melhor desfecho.
Olegário procurava não demonstrar sua preocupação com o embate. A madrugada já avançava quando a quantidade de tiros diminuiu. Agora pipocavam, esporadicamente, um estampido ou outro. As orações continuavam soando forte dentro da Renovação de Vidas para Deus pedindo pelo fim do combate. Perto das 5 da manhã, Bodinho conseguiu surpreender Moloque chegando por trás do adversário que se encontrava entrincheirado na varanda de um boteco que ele conhecia bem, pois estava acostumado, nos velhos tempos, a tomar lá sua cerveja acompanhado de Dedé Macumba. Lembrou o tempo das mandingas e pediu proteção divina. Chegou a levar a mão até ao pescoço, em busca da medalhinha de São Jorge, mas nada encontrou. Sentiu o cheiro de charuto no ar. Fez o sinal da cruz e gritou. “Vire-se devagar, cão imundo!”
O cara percebeu que tinha dado mole e que se aproximava a sua hora. “Você venceu Bodinho! Estou em suas mãos.” Virando-se lentamente e deixando o fuzil no chão disse. “Pode me matar! Você não perdeu o gosto de sangue. Percebo que o nosso mestre ainda tem o domínio de sua pobre alma e que você ainda sente muito prazer em acabar com a vida das pessoas. Vamos! Sacie sua sede de vingança.”
− Não, Moloque! O teu mestre não é meu senhor. Não tenho vontade de matar e muito menos sede de sangue. Minha vinda aqui é apenas para livrar essa gente do mal que eu, você e as drogas causam. Meu intuito é de que o mal não prevaleça sobre o bem. O meu mestre é Deus! Ele se escondeu dentro de cada coração humano e cabe a nós descobrir este tesouro e cuidar dele por toda a vida. Nosso Senhor nos dá forças para expulsar tudo que é ruim de nossa alma. O teu mestre está voltado para a prática do mal, das coisas fáceis, da luxúria, dos pecados carnais. Mas você pode mudar isso agora e perceber que o exercício do bem o fará se sentir muito melhor. A felicidade vai invadir o seu coração e as bênçãos do Senhor vão acalentar o seu espírito.
O diabólico traficante deu uma gargalhada debochada e disse. “Falando bonito hein! Igualzinho ao pastor safado e seu assistente borra botas. Te enxerga! Nós não temos mais salvação! Vamos deixar esse Deus bonzinho e nos unir para tocar o maior terror nessa Mata Sete. Juntos seremos imbatíveis. Podemos dominar a cidade, quem sabe o estado...”
− Moloque! Deus é misericordioso e o arrependimento verdadeiro nos dá a salvação da alma e com Ele você terá a mesma chance que eu tive. Já com Satanás você será um eterno escravo. Se você se entregar ao Senhor Ele perdoará todos os seus pecados e te salvará das chamas eternas do inferno.
Bodinho sentiu nos olhos do bandido uma tênue vontade de acreditar nas suas palavras, mas em poucos segundos, o traficante, em um gesto repentino pegou o fuzil que já ia ao seu lado no chão e disparou, sem mirar, na direção do vingador. A reação também foi imediata. Moloque pulou a pequena mureta da varanda do boteco e ralou peito. Bodinho foi caindo lentamente. Tinha sido atingido mais uma vez. Enquanto escorregava em direção ao chão frio, viu a silhueta do Diabo se dissipar na escuridão da noite.
Na igreja todos ansiavam pelo desfecho da batalha, que também seria a definição da vida deles. Estava na hora de acabar com aquela ditadura do medo, nutrida sob o domínio do mal. Se o bandido saísse vencedor, muitos pensavam em silêncio durante o intervalo das orações, teriam que largar a Mata Sete e o patrimônio que construíram com tantas dificuldades através do suor de seus rostos e suas parcas economias durante longos e sofridos anos. Não seria mais possível conviver com Moloque e seus homens no comando da comunidade. Naquele momento, em que alguns fiéis divagavam sobre suas vidas, o pastor subiu ao púlpito para iniciar uma nova oração, foi quando um burburinho tomou conta do ambiente.
O traficante entrou pela porta principal da casa de orações carregando o seu fuzil atravessado na frente do peito. Suas feições eram diabólicas. Um forte cheiro de enxofre tomou conta do ambiente. Muitos juraram depois que ele parecia avermelhado, com labaredas de fogo saindo do seu corpo. O capeta foi caminhando lentamente pelo corredor central na direção de Olegário, que não se intimidou e desceu do púlpito dirigindo-se ao encontro do bandido. “Aqui é a casa do Senhor, Nosso Deus! Não se atreva a fazer mal a ninguém. Já fizestes muita coisa ruim nessa comunidade. Como ousa a entrar nesse templo sagrado?”
Moloque desabou junto aos pés do pastor, que, nesse momento, percebeu que o marginal estava seriamente ferido. Olegário colocou a cabeça do chefão em seu braço esquerdo, para que este servisse de apoio, e pediu para providenciarem uma ambulância. “Não é necessário, pastor! Estou morrendo. Não vim aqui para fazer mal as suas ovelhas. Antes de matar Bodinho ouvi tantas coisas sobre o perdão que fiquei curioso. Ao sair do local da batalha final ouvi uma voz que me mandou vir até o senhor.”
Um filete de sangue escorreu pelo canto da boca do marginal quando ele tossiu. “Saquei antes de fuzilar Bodinho que ele acreditava no que dizia e que estava mesmo dizendo a verdade. Disse que o Deus de vocês perdoaria os meus crimes. Isso é verdade, pastor?”
Olegário percebeu que o bandido havia matado o vingador solitário, mas que o assassino fora tocado pela palavra do Senhor e estava em busca do perdão, pois sabia que sua hora estava chegando. “Moloque, existem várias formas de se obter a vitória.” O moribundo balbuciou. “Pastor, no máximo um empate, sendo que eu ainda ganhei alguns minutos a mais de vida.” Recebeu como resposta.
− Sim, meu irmão, você obteve um tempinho a mais, mas não esqueça que o seu propósito era matar pessoas inocentes e colocar fogo nessa obra de Deus. Há alguns minutos você nos disse para ficarmos calmos, que não estava aqui para fazer mal a ninguém. Você poderia ter chegado atirando e daria uma vitória parcial ao Diabo. Em vez disso, você entrou na casa do Senhor e falou sobre o perdão. Aqui se inicia a vitória de Deus nessa história. Você deu espaço para a luz divina penetrar em uma pequena brecha de sua pobre alma atarantada. Seu espírito se acalmou e percebeu que pode ser salvo através do arrependimento. Deus perdoa a todos, inclusive os maiores assassinos e pecadores.
Nesse momento o burburinho aumentou na igreja. Uma euforia tomou conta dos presentes. Bodinho chegava capengando até a porta principal, com o seu M-16 a tiracolo. Todos ouviram quando o traficante falou que havia posto um fim a vida do vingador solitário. Mas lá estava o defensor da Mata Sete vivinho da Silva. Encostou sua arma do lado de fora da porta de entrada e adentrou ao recinto. Olhou para todos os lados e constatou que estavam todos bem, sãos e salvos. “Acho que não vai dar empate, pastor. Vejo que o poder de Deus é grandioso. Mesmo antes de Bodinho aparecer por aqui eu já estava convencido que devo me converter e pedir o perdão.” Deu uma tossida forte e mais sangue escorreu de sua boca, manchando a camisa de Olegário, que ainda mantinha a cabeça do bandido em seu braço.
− Agora tenho a certeza que tomei a decisão certa. Deitado aqui, no chão da sua igreja, os meus pensamentos se clareiam e uma calma muito grande toma conta da minha alma, que sempre foi atormentada. Estou arrependido de tudo de ruim que fiz nessa minha vida miserável. Fui influenciado por várias pessoas e acabei acreditando que o mal prevalece sobre o bem. Reneguei até o meu nome... Eu me chamo José... O pastor deu um copo d’água ao moribundo enquanto falava.
− José, para Deus é motivo de imensa alegria quando uma alma se arrepende de seus pecados. Só Deus tem o dom de perdoar infinitamente, caso perceba no coração de cada um o arrependimento sincero e a vontade de mudar o destino. Tenha fé na mudança e Nosso Senhor irá perdoar todas as suas ações nefastas, suas transgressões criminosas e espirituais. Ele tem a noção da influência maléfica do Demônio em sua vida. Satanás usa as pessoas explorando as suas fraquezas como porta de entrada. Quando não necessita mais daquele infeliz, coloca-o para arder no fogo das vaidades. O inferno começa aqui mesmo na Terra. Aquele que for ludibriado pelo Capeta morre eternamente nas labaredas do fogo diabólico. Mas aquele que aceita Jesus no seu coração será perdoado e poderá desfrutar das graças do Nosso Senhor no paraíso. Basta pedir perdão com sinceridade, mesmo na hora da morte.
− Pastor! Estou morrendo e sinto um grande arrependimento por tudo que causei de mal as pessoas que cruzaram o meu miserável caminho. Tudo está se descortinando na minha frente. Minha memória trás cenas que me doem muito ver. Sinto o meu coração oprimido. Acho que Deus não terá misericórdia para mim. Se eu pudesse retroceder no tempo faria tudo diferente. Aceitaria Jesus em meu coração. Seria fiel a Deus!
Nesse momento lágrimas escorriam pela face do traficante. “Lave sua alma, José! O nome desse sentimento e arrependimento. Deus já lhe perdoou! A paz celestial já irá invadir o seu espírito.” Nesse momento surge ao longe o som de uma sirene. Dali a pouco, várias outras são ouvidas. Muitas viaturas policiais se aproximam da igreja. Moloque abre um sorriso franco e dá o seu último suspiro. Falece com a expressão tranquila e sorridente nos braços do pastor que tanto havia atormentado.
Os policiais chegam à igreja e constatam que tudo está bem. Em seguida chega uma equipe dos bombeiros. O médico-tenente se aproxima de Bodinho e faz um exame rápido e preciso. Os ferimentos eram superficiais. Por estar ainda em convalescênça não resistiu ao ataque de Moloque. O sangramento dos últimos disparos já havia quase que estancado. A voz de prisão foi dada ao fugitivo da Penitenciária de Segurança Máxima. Olhando para Olegário, falou. “Minha missão na Mata Sete acabou. Vou voltar para a cadeia, pois tenho outra tarefa naquele lugar. Sua profecia mais uma se concretizou, Pastor. Eu saí mesmo fora do tempo...” Deu um sorriso aberto antes de ser conduzido algemado para um camburão.
Passaram-se três semanas quando Olegário e Santelmo foram até a Penitenciária visitar Bodinho. Ao chegarem, assistiram um culto presidido pelo vingador solitário. Ficaram sabendo do sucesso que o ex-traficante estava operando no presídio. A história se repetia. Legiões de demônios estavam sendo expulsas dos presos. Todos respeitavam o discípulo do grande pastor Olegário. O diretor da Penitenciária veio cumprimentar a nobre visita. Após abraços e elogios de praxe, o diretor se vira para Bodinho e pergunta. “E aí, Jesus, como vão passando as sua ovelhas?” O pastor olha para o detento com desaprovação. Este responde com tranquilidade e voz suave. “Sempre usei nomes falsos e apelidos, mas agora faço questão de fornecer as autoridades e aos meus irmãos o meu nome verdadeiro. Está lavrado na minha certidão de nascimento: Jesus do Espírito Santo Cardozo."
Podem imaginar a surpresa do pastor e de seu assistente. Ficaram boquiabertos. Deus escreve mesmo certo por linhas tortas... Santelmo pensava: “será que ele vai me perdoar por ter ficado com a Sueli?”. Mais isso é uma nova história que se descortina na Mata Sete... Aguardem! Em breve mais emoções na Igreja da Reconstrução de Vidas para Deus, que começa assim...
Primeira carta de Jesus do Espírito Santo Cardozo (Bodinho) para a família de José da Silva Feitosa (Moloque).
Devemos estar sempre alerta quando observamos transformações radicais nos procedimentos humanos. É certo que a graça de Deus pode mudar a vida de qualquer pecador de uma hora para outra, num abrir e fechar de olhos. Existem três mundos muito próximos, muitas das vezes entrelaçados, e todos nós estamos sujeitos a penetrar e até mesmo permanecer em todos eles. O mundo da matéria (físico), o mundo da alma (psíquico) e o mundo do espírito (divino).
Na visão do evangelista João no Apocalipse, poderemos ver reluzir o ouro em uma cidade desse mundo material, sendo que toda ela poderá ter monumentos coberto pelo valioso metal, inclusive o seu calçamento. Lá não existiria a dor e todos os seus habitantes estariam em plena felicidade, com a alma transbordando de alegria. Mesmo que o homem tenha cometido os maiores pecados em sua vida terrena, Deus pode permitir a sua entrada nesse paraíso, o mundo das almas felizes. Os pecadores poderão abrir as portas desse mundo reluzente com uma chave única, moldada em seus corações. O segredo que abre essa fechadura é o arrependimento.
Para o evangelista João: Satanás será aprisionado por mil anos, mas nem mesmo assim conseguirá se redimir e vai continuar a sua luta feroz para desencaminhar os seres humanos para o mundo da perdição, que está umbilicalmente ligado ao mundo da matéria. O anjo caído veio a Terra para dominar as mentes inescrupulosas e se apoderar das conquistas materiais, desvinculadas da solidariedade, da fraternidade e da bondade. O mundo em que vivemos é uma bela casa de veraneio do Demônio. Quando o inferno está muito quente ele vem até aqui se refrescar e pescar algumas almas.
Os personagens Bodinho, Santelmo e Olegário chegaram a viver inúmeras experiências nesse mundo diabólico, com um pé bem fincado no mundo dos seres perdidos, prontos para fazerem parte da corte de Satanás. Mas Deus viu em seus corações um pequeno fecho de luz em fazer o bem ao próximo, mesmo que em muitas vezes de maneira errada. Nosso Senhor também constatou o arrependimento sincero dos três e tomou a decisão de sacá-los do mau caminho, da estrada que os levaria para o inferno.
Deus é o Senhor de todas as coisas e mesmo quando o homem imagina estar perdido, sem um sinal de recuperação para se apegar, parecendo a sua salvação impossível, Ele entra em ação e redime todos os pecados. Como bem disse Shoia Durand: “os seres humanos não podem escolher onde nascer, mas podem optar entre o bem e o mal antes de morrer”.
O diabo fica nas esquinas da vida nos mostrando o que não fizemos ao passo que Deus, segura em nossas mãos e nos mostra o que ainda pode ser feito.
* Estória de Jeronimo Guimarães Filho, adaptada e copidescada por mim.

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