A visita


         Ele havia feito a passagem há alguns anos. O casamento não foi nada fácil. Era um homem de temperamento difícil, com um gênio de cão chupando manga. Gostava da mulher à sua maneira, algo próximo ao chauvinismo. Ela, então, aproveitava um sentimento de liberdade. Só tivera um filho, que estava casado e tinha dois meninos e uma menina.

Estava ela no seu quarto, mantido intacto desde a partida do marido, com as duas camas marquesas de solteiro, duas mesinhas de cabeceira, uma cômoda e uma penteadeira. Lia, um dos seus passatempos prediletos, quando ouviu um leve ruído, desviando o olhar da página de "Por quem os sinos dobram". Ao lado da porta, viu o seu falecido marido acompanhado de um senhor alto, moreno, trajando um belo terno preto, idêntico ao de seu ex-companheiro. O esposo foi tirando a gravata e o paletó, colocando-os em uma cadeira que estava na sala ao lado, ao mesmo tempo que dizia:

— Nair, voltei para te ajudar com as crianças. Esta será uma tarefa muito difícil, e quero estar ao seu lado para te amparar.

Assustada olhou para o senhor com aquele pedido de socorro implícito, numa tentativa de descobrir o que estava acontecendo. Por sua mente passaram diversos pensamentos. Lembrou dos parentes que aconselharam sair de seu lar logo após a passagem do velho Joaquim, falecido naquele mesmo quarto em que estavam agora os três. Diziam que a casa era grande, que seria melhor alugar ou vender. Mas ela mantinha a firme decisão de ficar em seu “castelo”, como costumava se referir ao imóvel, aproveitando a tranquilidade do lugar. Gostava de estar só, de poder ler à vontade, estudar teosofia, ouvir música, cantar e poder passear a hora que bem entendesse.

Os pensamentos fervilhavam. Será que fizera mal em não aceitar os inúmeros conselhos para deixar a casa? Notou que o senhor balançava lentamente a cabeça. Joaquim continuava a falar.

— José vai ficar só. A mulher irá deixá-lo e ele não tem competência para cuidar das crianças. Elas também não ficarão com a mãe. O Juiz vai encaminhá-las para você. Já viu o que te espera...

Nair não estava entendendo nada. Só tinha uma certeza: seu marido estava morto e aquilo não era um sonho. Tirou os óculos e colocou o livro na mesinha ao lado. Falou com a voz fraca e trêmula:

— Joaquim, está tudo bem, fique tranquilo. As crianças passam bem...

Ele continuava falando como se nada tivesse acontecido. Foi então que o senhor começou a explicar o acontecimento: o falecido obteve uma autorização que só permitia uma estada no plano terreno de uns poucos minutos, e caso insistisse em continuar na Terra, medidas enérgicas seriam tomadas.

Após manter um breve diálogo com o acompanhante, na tentativa de permanecer ao lado da esposa, Joaquim abaixou a cabeça em sinal de consentimento. Vestiu lentamente sua roupa, se despediu da mulher e voltou para a sala, desaparecendo em seguida, juntamente com o seu companheiro.

Dois meses após a visita, José foi abandonado pela esposa, e a guarda das crianças ficou sob a responsabilidade de sua mãe. Nair enfrentou com galhardia uma árdua tarefa, com fibra e dignidade, pois sabia que estavam zelando por ela.

Rio, 01/11/1996.

Foto: Marcos Alexandre, agosto de 2021.

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